Ao mesmo tempo em que o movimento feminista bradava alto pelos direitos das mulheres, em 1984 a engenheira química Elza Kallas iniciava sua luta silenciosa no mercado de trabalho. Então com 21 anos, como fiscal de sonda terrestre de uma unidade da Petrobras no Espírito Santo, ela era a única mulher do setor na estatal. Aos 55, neste Dia Internacional da Mulher, volta a contrariar estatísticas: Elza é a primeira a ocupar a Gerência Geral na Refinaria de Duque de Caxias (Reduc), responsável pela produção de 240 mil barris de petróleo por dia. Até o ano passado, só homens haviam exercido o cargo.
— Há 30 anos, os operários nunca tinham visto uma mulher na área industrial. Na primeira vez que cheguei para trabalhar, havia homens sem o uniforme. Às vezes sem camisa, às vezes de cueca. Levaram um susto — relata.
Para Elza Kallas, o preconceito contra as mulheres se mistura a um certo paternalismo e à crença de que elas não conseguem se ausentar da casa e dar conta do trabalho:
— Precisamos quebrar o paradigma e saber que somos capazes. Os homens acham que não vamos conseguir trabalhar nas áreas operacionais. Não é verdade. Uma vez ouvi de um gerente de quem eu era chefe: “Fica tranquila que a tarefa está nas mãos de homem — lembra, com um sorriso de quem desafia o preconceito.
Minoria no comando das empresas
Embora Elza Kallas esteja à frente de mais de três mil trabalhadores da Reduc, as mulheres ainda são minoria no comando das empresas brasileiras e o percentual ainda caiu nos últimos anos. Em 2016, 37,8% dos cargos gerenciais no país eram ocupados por elas, segundo pesquisa divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o estudo, a presença feminina em cargos de gerência diminuiu nos últimos anos. Em 2011, elas respondiam por 39,5% destes cargos — uma queda de 1,7 pontos percentuais em cinco anos. Apesar disso, as mulheres brasileiras já alcançam nível de formação superior ao dos homens. Só que o salário delas é, em média, 23% mais baixo do que o dos homens.
Disparidade de gênero
A engenheira gaúcha Patrícia Becker, de 34 anos, chefia uma equipe de 120 funcionários — somente seis são mulheres — dentro da Reduc. Ela ocupa o cargo de Coordenadora de Turno, autoridade máxima de segurança dentro da refinaria. Para Patrícia, o preconceito não faz parte de sua rotina de trabalho.
— Não são o uniforme, a botina e a falta de acessórios que fazem a gente deixar de ser mulher. Desde a faculdade, o ambiente em que estou é predominantemente masculino. Preciso ser mais firme, não por ser mulher, mas por estar em uma posição de liderança — ressalta Patrícia.
A especialista em carreiras e coach Bia Nóbrega explica que o preconceito contra mulheres pode se expressar em discriminação por não serem fisicamente tão fortes quanto os homens; sob forma de pressão psicológica ou de disparidades de oportunidades em alguns setores, até por questões de fertilidade e licença-maternidade.
—Há muitos anos, a explicação para a diferença geral (de salários) era que mais homens estavam em empregos bem remunerados e em setores mais lucrativos. Mas como explicar homens e mulheres em posições idênticas, na mesma empresa, com qualificação e performance semelhante? — questiona.
Luta anterior à instituição de datas e títulos
Passados 107 anos da tragédia que matou mais de 100 mulheres num incêndio em uma fábrica têxtil de Nova York em março de 1911, o episódio é lembrado todo dia 8 de março. A data teria sido, por isso, escolhida para se tornar o Dia Internacional da Mulher. Mas a luta delas começou muito antes. O primeiro Dia da Mulher foi celebrado em 1908 nos Estados Unidos, quando 1.500 mulheres aderiram a um protesto. Só em 1977, a ONU reconheceu a data.
Metade deixa emprego após maternidade
Na semana do Dia Internacional da Mulher, o EXTRA apresenta em seu site uma série de vídeos sobre a maternidade e o mercado de trabalho. As reportagens contam a história de mulheres que enfrentam o preconceito e a rejeição de empregadores por terem se tornado mães. Entre os casos, estão mulheres demitidas durante a gestação, após a licença maternidade ou candidatas eliminadas de processos seletivos por terem um filho pequeno. Segundo uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV), metade das mulheres sai do mercado de trabalho 12 meses após o início da licença maternidade. O estudo também revelou que só 41% das mulheres entre 25 e 44 anos e com filho de até 1 ano de idade estavam empregadas. Em contrapartida, 92% dos homens nas mesmas condições estavam trabalhando. De acordo com a doutora em Economia Ildete Pereira, um levantamento revela que o número de homens que faltam ao trabalho por conta de alcoolismo é maior do que o de mulheres ausentes por causa das crianças.
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